domingo, 10 de março de 2013

É possível a mundana camisinha conviver com preceitos religiosos? Sim!

Essa é a resposta de Matthew Bode, pastor da igreja "Spirit of Hope", de Detroit, Estados Unidos, um país onde o fundamentalismo religioso é muito mais forte e presente que aqui no Brasil. Em seu artigo no Huffington Post, ele fala sobre a distribuição de "safer sex kits" para a comunidade desta cidade. Abaixo tentarei traduzir o artigo o mais fielmente possível.

Camisinhas e a Cruz
Postado: 08/03/2013

É possível usar corretamente essas duas palavras na mesma sentença? Camisinhas e a cruz - a primeira taxada pela igreja como um sinal da depravação e imoralidade humana, nossa perda de graça e o desapontamento de Deus com a nossa perda de pureza. A segunda é o mais venerável signo físico da ortodoxia cristã e o lugar onde acreditamos que nos tornamos reconciliados com Deus. Esses que valoram e apreciam um certamente não valorariam o outro, valorariam?

Não muito tempo atrás, nossa igreja de Detroit, Spirit of Hope, reiniciou um pequeno programa de distribuição de kits de sexo mais seguro que vai crescer no curso do ano. Ele atinge membros da igreja, vizinhos que se beneficiam do nosso banco de alimentos e cozinhas comunitárias, atletas que usam nossa academia e mais. Com certeza os kits incluem camisinhas e outros itens que contribuem para um sexo melhor e mais seguro, assim como materiais educativos e uma sentença ou duas das escrituras intencionadas a relembrar os recebedores do amor de Deus e do amor do próximo. Com agradecimentos em parte do "Gospel Against AIDS" e a energia dos membros da nossa igreja e comunidade, o programa tem sido um sucesso.

Alguns nos perguntaram porque distribuiríamos kits com camisinhas. Claro, a resposta fácil e mais exata é "Porque as pessoas precisam delas". Alguns cristãos, entretanto, não aceitam essa razão. Mesmo em 2013, parece que a vasta maioria das congregações na maioria das denominações, talvez mesmo a maioria dos grupos de fé, ainda têm uma grande dificuldade em falar sobre sexo e sexualidade. Nossa moderna retórica cultural cristã nos ensinou que as coisas estão mudando e que o eternamente guardado valor da abstinência, sexo apenas no contexto do casamento, caiu há uma ou duas gerações atrás (Pergunte aos meus familiares nascidos fora do casamento nos anos 50 ou 20 sobre a longa prática da abstinência!) É um tempo assustador para estar na igreja quando se aparece que nossos valores e ensinamentos culturais de longa data estão sendo desafiados por qualquer programa de televisão, publicidade e ícone da cultura pop.

Apesar disso, a beleza de ser um cristão não é encontrada em declarações de comportamentos certos ou errados, mas na pessoa de Jesus que andava entre as pessoas e deslocava os olhos da igreja para as necessidades daqueles que o rodeavam. Os líderes religiosos atacaram Jesus por ele ter aceitado que as pessoas fizessem trabalhos para ter algo que comer no Sabbath e por tocar as escrituras das pessoas e os líderes religiosos considerados impuros. Estou certo de que eles o teriam condenado por portar camisinhas. Ele sempre deslocava o argumento, porém, da pureza ideológica para as necessidades das pessoas.

Nos estamos em um mundo, em 2013, com uma rápida expansão do HIV. É o nosso chamado como igreja para ir ao encontro das necessidades das pessoas com compaixão, amor e poder de mudança de vida. Andamos com as pessoas nas suas vidas, todos nós mudamos quando autenticamente amamos um ao outro como semelhantes. Os ensinamentos tradicionais da igreja, do sexo abstinente, estão tão distantes da realidade da nossa cultura que é tempo para que entendamos as necessidades das pessoas e as responda ao invés de viver nas torres de marfim da suposta correção moral.

É imoral para a igreja não responder ao avanço do HIV. Na verdade, é duplamente imoral para nós não responder porque somos responsáveis como uma instituição por desencorajar a conversa honesta e o comportamento de amor. Nos anos 80 e 90 nós, como igreja, contribuímos para o isolamento de pacientes de HIV e lideramos uma suposta cruzada moral contra aqueles que não viviam o que determinávamos que fosse vidas corretas. Ainda que não tivéssemos isolado aqueles com HIV ativamente, ou aqueles com o maior risco de contrair a doença, nós estávamos calados quando outros que se chamavam cristãos o fizeram. Como em qualquer cruzada, muitas pessoas morreram.

Ao tempo em que o HIV toma fôlego, escava suas cicatrizes e começa a crescer novamente nessa era, nós como cristãos temos a chance de nos redimir e viver nossa fé. Quando falamos sobre sexo abertamente no contexto de confiança, respeito, honra e honestidade em substituição à plataforma da pureza religiosa, somos mais autênticos à fé. Também criamos suporte para uma melhor chance de mudar as vidas das pessoas para melhor.

Quando oferecemos kits de sexo mais seguro, um muro desaba. Em quase todos os casos, seja recebido por membros da igreja ou por desconhecidos, um pouco do medo doentio da igreja e da religião começa a se esvair. Somos capazes de ter uma real relação com o outro, e mesmo com Deus. A cruz é o lugar onde o medo vai para morrer. Liberação e liberdade tomam o lugar do medo. A cruz é o símbolo perfeito do poder de transformação. Como igreja, podemos ser transformados pela cruz para ser honestos com nós próprios, nossas próprias pessoas e o mundo à nossa volta. Honestidade para nós significa que nós temos que distribuir kits de sexo mais seguro. É tempo em que amamos as pessoas tanto quanto as nossas ideologias.

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