quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

A pessoa trans e a educação

Até alguns anos atrás, era descabido, quase herético, pensar em travestis estudando. Afinal, na nossa sociedade do "multiculturalismo de faz-de-conta" não há espaço para travesti a não ser na rua, na marginalidade, na cafetinagem. Escola? Nunca! Crescimento profissional e intelectual? Tampouco! Eis que aparece Luma Andrade, recém-doutorada pela Universidade Federal do Ceará e agora professora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), e desvirtua todo esse pensamento.

A pergunta que fica: é algo possível? A resposta é sim. É algo fácil? Infelizmente não.

Nem todas conseguem suportar a pressão psicológica terrível que se abate contra quem ousa quebrar paradigmas; pressão da escola, que não sabe como lidar com a situação, pois não foi capacitada (está aí um aviso para salvar os nossos cursos de pedagogia à beira do penhasco), da família (que rejeita o não-ortonormativo porque ou o padre/pastor/rabino/fdpqueseja disse que é coisa do diabo, ou porque tem medo de ficar em desvantagem nos seus complexos jogos de vaidades inter/intrafamiliares, ou porque simplesmente não consegue entender o diferente) e do Estado (que descaracteriza as identidades não-"normais", não as reconhecendo, colocando-as como patológicas ou mesmo criminosas).

As que conseguem sabem o quão dura foi a luta para conseguir algo básico: o direito a ter uma educação básica. Se para uma pessoa que não tem nenhum desses fardos em cima, já é difícil ter uma mínima instrução, haja vista a falência crônica da educação no Brasil, imagine como é a situação de quem ainda tem que ouvir chacotas, sofrer violência, moções de repúdio (o filme Ma vie en rose trata desse assunto esplendorosamente).

Terminado o ensino básico, algo ainda mais desafiador: a universidade! Difícil de entrar (pelo menos as de qualidade), mais difícil ainda de sair. Aí vemos a que ponto chega a hipocrisia da "sociedade multicultural". A universidade precisa reconhecer que existe uma identidade transgênera para daí passar a tratar, ainda que precariamente, a pessoa de uma forma mais humanizada. Aquele que deveria ser um lugar de tolerância continua sendo um palco de aviltações à personalidade. Formar-se então, pode ser um pesadelo. Como é que eu chamo o José pra receber o canudo e me aparece a Joana?

Felizmente a realidade parece (digo parece) estar mudando. O reconhecimento do nome social nas universidades é algo que ameniza um constrangimento. É o ideal? Não, mas é o máximo que a nossa sociedade hipócrita ainda está disposta a entender. Devemos parar? Nunca, pois relaxar é aceitar essa desproporção.

Atualmente estou fazendo um esforço para tentar voltar à universidade, que larguei quando vim para São Paulo. Espero conseguir. E àquelas que conseguiram passar os percalços e obtiveram o nível médio, espero que também consigam entrar numa universidade. E assim teremos mais Lumas contribuindo com a ciência e dando um basta à hipocrisia.


Foto: Divulgação / A Capa

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